sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Texto de Joana Manuel

Temos tudo já escrito e já dito. E no entanto somos nós agora que estamos vivos e temos de o continuar a dizer e a escrever. Temos tudo nas estantes, nos livros e nos discos e nos filmes, no legado de vivos e de mortos. E no entanto somos nós agora que estamos vivos e temos de continuar a viver. Temos os bairros negros e os brejos da cruz na nossa rua, temos ainda, ou voltámos a ter, meninos que comem luz. Não imaginávamos que ainda fosse possível, alguns de nós ainda duvidam que o seja, ainda se negam a ver o óbvio, que não estamos em guerra, mas que estão em guerra connosco. Temos filhos e sobrinhos e pais e amigos e novos e velhos a perguntar que tempo é este, que farsa é esta, em que a milenar escravatura da dívida nos é apresentada como novidade salvadora e redentora, que pelo nosso sacrifício vai enriquecer mais e mais os nossos carrascos. Um mecanismo de saque generalizado que se serve da política que deveria ser nossa para nos submeter a lógicas exploradoras que matámos uma e outra vez ao longo dos séculos, mas que sempre se regeneraram às costas da nossa indiferença, da nossa alienação, do nosso medo. Dos nossos medos.

Saio à rua mais uma vez no dia 2 de Março. Porque me orgulho de uma Constituição que me defende e portanto quero continuar a defendê-la. Porque não há política sem mim-cidadã, sem ti-cidadão. Porque só tenho medo de viver no medo e um dia descobrir que já não vivo, que só respiro, e a custo. Porque a água é minha e os ventos são meus e as escolas são minhas e a polícia é minha e os hospitais são meus, não me são dados, são feitos do meu esforço, do meu trabalho, da minha contribuição. E esta terra é minha e dos que a escolheram para ficar, habitar, construir, lutar. É minha como dos milhares que já se viram forçados a sair para poderem respirar melhor e que connosco sairão à rua também por todo o mundo onde há ecos deste chão. Saio à rua porque é a nossa vez de abater as quimeras do atraso, da injustiça social, do crime feito política, da política feita crime contra cada um de nós. Porque não sou cúmplice. Porque ombro a ombro, contigo quero começar em Março uma nova primavera. Uma nossa primavera.