O tempo que demoro a escrever cada linha é o reflexo de uma experiência comum: a de haver cada vez menos palavras para descrever o que está acontecer, a cada um de nós individualmente e ao espaço comum que habitamos. É difícil descrever a asfixia, o cinzentismo, a mediocridade. É difícil descrever a sensação de que nos queimam tudo, a vida por dentro e o país por fora.
Enquanto tudo arde e queima, eu quero acreditar que podemos ainda salvar das cinzas o que é nosso. Porque, ao contrário do que preconiza quem lucra com a miséria alheia, eu sei que não aguento nem mais um dia sem horizonte ou esperança.
No dia 2 de Março saio à rua, porque o que nos resta não pode ser só trabalhar a custo cada vez mais baixo para enriquecer cada vez mais cada vez menos gente. O que nos resta não podem ser os olhos sempre postos no chão, as bocas caladas, os gritos todos contidos e o olhar vazio a agradecer o pão nosso de cada dia; afinal, como alguns insistem em dizer-nos, «não se morde a mão que nos dá de comer» e «mais vale assim do que pior».
Saio à rua contra a hegemonia de um discurso mastigado, que poupa e sacrifica sempre os mesmos e que prega a inevitabilidade da miséria e da indignidade. A inevitabilidade é contrária à ideia de democracia, porque pressupõe a anulação da discussão, da proposta e do pensamento.
Saio à rua contra o moralismo que contaminou o discurso e que nos ensina como viver sem pedir mais, que nos ensina a aceitar como natural que o salário não chegue para o bife e que nos explica como podemos ser mais felizes na desistência de sermos inteiros e exigentes.
Saio à rua contra a ditadura de uma dívida que nos dizem termos de pagar, doa a fome a quem doer. Uma dívida que não foi contraída em nome dos que a pagam e que resulta em parte da injecção de capital em bancos privados, que apostaram e perderam dinheiro em especulações imprudentes e brincadeiras de casino.
Saio, porque a falta de casa e de comida nos são vendidas como danos colaterais no jogo dos alunos cumpridores.
Saio e sairei sempre contra os burocratas penteados, os especialistas bem mandados, os mentirosos, os obedientes e os sanguessugas. Saio também contra os «só estou a cumprir ordens», os «não exageres», os «mais vale não levantar ondas», os «vamos andando». Que se lixem, que se lixem, que se lixem.
Saio pela minha avó, que todos os dias envelhece com muito menos dignidade do que aquela que merece. Saio por um irmão afogado no medo e na desistência. Saio pelos sonhos da minha irmã. Por cada um dos amigos que emigrou. Saio pelo meu avô, que me ensinou os valores fundamentais da solidariedade e da justiça e pelos olhos da minha mãe a lutarem contra o susto (estou contigo, minha mãe, na coragem que me ensinas todos os dias). Saio pela angústia surda do meu pai e saio por ti, meu amor. Saio pelo meu filho, ainda à espera de um dia mais radioso para nascer. Que se lixem, pai e mãe, eu sinto em mim forças de sobra para dizer bem alto que resistiremos. Que se lixem, avô, eu juro que defenderei a água e os hospitais, as escolas e os jardins, os teatros e os museus, a terra e a nossa vida. Que se lixem, meu irmão e minha irmã, contem sempre comigo na luta pelo direito ao sonho.
Sei que, mesmo muitos, seremos poucos para travar a barbárie, mas sei também que somos cada vez mais a saber que qualquer poder eleito que não sirva para nos representar, não serve para nada. Somos cada vez mais a saber que é o povo quem mais ordena e que esta há-de ser ainda a terra da fraternidade.
Que se lixe a troika e o governo. Que se lixem todos os troikistas e a austeridade criminosa.
Por muito que os interrompamos, eles ainda falam demasiado sem nos dizerem nada. No dia 2 de Março sairemos à rua para os calarmos de vez.
Enquanto tudo arde e queima, eu quero acreditar que podemos ainda salvar das cinzas o que é nosso. Porque, ao contrário do que preconiza quem lucra com a miséria alheia, eu sei que não aguento nem mais um dia sem horizonte ou esperança.
No dia 2 de Março saio à rua, porque o que nos resta não pode ser só trabalhar a custo cada vez mais baixo para enriquecer cada vez mais cada vez menos gente. O que nos resta não podem ser os olhos sempre postos no chão, as bocas caladas, os gritos todos contidos e o olhar vazio a agradecer o pão nosso de cada dia; afinal, como alguns insistem em dizer-nos, «não se morde a mão que nos dá de comer» e «mais vale assim do que pior».
Saio à rua contra a hegemonia de um discurso mastigado, que poupa e sacrifica sempre os mesmos e que prega a inevitabilidade da miséria e da indignidade. A inevitabilidade é contrária à ideia de democracia, porque pressupõe a anulação da discussão, da proposta e do pensamento.
Saio à rua contra o moralismo que contaminou o discurso e que nos ensina como viver sem pedir mais, que nos ensina a aceitar como natural que o salário não chegue para o bife e que nos explica como podemos ser mais felizes na desistência de sermos inteiros e exigentes.
Saio à rua contra a ditadura de uma dívida que nos dizem termos de pagar, doa a fome a quem doer. Uma dívida que não foi contraída em nome dos que a pagam e que resulta em parte da injecção de capital em bancos privados, que apostaram e perderam dinheiro em especulações imprudentes e brincadeiras de casino.
Saio, porque a falta de casa e de comida nos são vendidas como danos colaterais no jogo dos alunos cumpridores.
Saio e sairei sempre contra os burocratas penteados, os especialistas bem mandados, os mentirosos, os obedientes e os sanguessugas. Saio também contra os «só estou a cumprir ordens», os «não exageres», os «mais vale não levantar ondas», os «vamos andando». Que se lixem, que se lixem, que se lixem.
Saio pela minha avó, que todos os dias envelhece com muito menos dignidade do que aquela que merece. Saio por um irmão afogado no medo e na desistência. Saio pelos sonhos da minha irmã. Por cada um dos amigos que emigrou. Saio pelo meu avô, que me ensinou os valores fundamentais da solidariedade e da justiça e pelos olhos da minha mãe a lutarem contra o susto (estou contigo, minha mãe, na coragem que me ensinas todos os dias). Saio pela angústia surda do meu pai e saio por ti, meu amor. Saio pelo meu filho, ainda à espera de um dia mais radioso para nascer. Que se lixem, pai e mãe, eu sinto em mim forças de sobra para dizer bem alto que resistiremos. Que se lixem, avô, eu juro que defenderei a água e os hospitais, as escolas e os jardins, os teatros e os museus, a terra e a nossa vida. Que se lixem, meu irmão e minha irmã, contem sempre comigo na luta pelo direito ao sonho.
Sei que, mesmo muitos, seremos poucos para travar a barbárie, mas sei também que somos cada vez mais a saber que qualquer poder eleito que não sirva para nos representar, não serve para nada. Somos cada vez mais a saber que é o povo quem mais ordena e que esta há-de ser ainda a terra da fraternidade.
Que se lixe a troika e o governo. Que se lixem todos os troikistas e a austeridade criminosa.
Por muito que os interrompamos, eles ainda falam demasiado sem nos dizerem nada. No dia 2 de Março sairemos à rua para os calarmos de vez.