A quem pergunta pelos motivos para sair à rua no dia 2 de Março apetece devolver a interrogação, mas com novos termos: que motivos não haverá para sair à rua no dia 2 de Março?
Se os mais cépticos precisam de números, demos-lhes números: diz o Jornal de Notícias de há poucos dias que «54 % da população activa estão sem trabalho, não constam nas listas dos centros de emprego mesmo estando desempregados, são subcontratados ou têm ligações precárias às entidades contratantes». Há outros números por onde escolher, do abandono escolar às crianças que passaram a ir para a escola de barriga vazia, dos doentes sem dinheiro para medicamentos aos velhos que deixaram de sair de casa porque já não podem pagar o passe. O problema dos números é que, por aparecerem todos os dias nos noticiários e por servirem de discórdia retórica no parlamento (onde há sempre um contraditório qualquer que os desmente parcialmente, deixando o resultado mais ou menos na mesma), começam a não produzir grande efeito. Lembrar que os números escondem pessoas de carne e osso é uma verdade de la palisse, mas ainda servirá para alguma coisa. Por cada pedaço dessas percentagens infames conhecemos alguns ou muitos rostos de gente sem trabalho, de gente com operações marcadas e sucessivamente adiadas, gente sem dinheiro para chegar ao fim do mês, gente que já prescindiu da electricidade e do gás e já não sabe onde cortar mais. E tudo isto enquanto banqueiros sem escrúpulos nos dizem que aguentamos, empresários que deslocaram os seus impostos para o estrangeiro nos dizem que devíamos ser empreendedores, governantes com pensões vitalícias nos dizem que os sacrifícios estão quase a valer a pena.
Sabemos o que dizem os cépticos: que as manifestações não servem para nada. E sabemos o que dizem os paladinos do respeitinho muito lindo: que este governo foi eleito democraticamente e que não faz sentido andar na rua a pedir a sua demissão. Será preciso lembrar que aquela viagem às urnas de quatro em quatro anos, que os cépticos acreditam ser a nossa única forma de participar na democracia, serve para votar um programa de governo e não o conjunto de rostos que o vai executar? E será preciso lembrar que o último programa de governo escrutinado não previa esta austeridade, estes impostos ou esta chacina dos serviços públicos, e muito menos a entrega das nossas vidas à troika em troca de mais empréstimos?
Nos autocarros e nos cafés há quem brade contra a política e os políticos, colocando-se naquele patamar de pureza ingénua que assegura ausência de responsabilidade pelo futuro, em troca de um bode expiatório, neste caso a política, o mesmo bode expiatório que tantas vezes abriu portas aos paizinhos de uma qualquer verdade absoluta para que viessem tomar conta, por nós, daquilo que a nós diz respeito. Talvez não valha a pena repetir. Estamos cá, temos cabeça para pensar, palavras para discutir e voz para levantar.
Se as ruas ocupadas por milhares de vozes não dizem nada ao governo e à troika, não será por isso que a eficácia da ocupação das ruas se torna menor. Milhares de vozes a gritarem juntas produzem sempre algum efeito. Se o efeito é uma dor de cabeça ministerial ou um pequeno desvio no eixo de rotação da terra, não temos como saber antes de sair à rua, mas creio que o resultado mais importante, aquele que os telejornais não têm como medir, é a certeza sobre o que podemos fazer quando nos organizamos. Com isso havemos de fazer mais do que uma enorme manifestação, mas para já, comecemos por algum lado.
Se os mais cépticos precisam de números, demos-lhes números: diz o Jornal de Notícias de há poucos dias que «54 % da população activa estão sem trabalho, não constam nas listas dos centros de emprego mesmo estando desempregados, são subcontratados ou têm ligações precárias às entidades contratantes». Há outros números por onde escolher, do abandono escolar às crianças que passaram a ir para a escola de barriga vazia, dos doentes sem dinheiro para medicamentos aos velhos que deixaram de sair de casa porque já não podem pagar o passe. O problema dos números é que, por aparecerem todos os dias nos noticiários e por servirem de discórdia retórica no parlamento (onde há sempre um contraditório qualquer que os desmente parcialmente, deixando o resultado mais ou menos na mesma), começam a não produzir grande efeito. Lembrar que os números escondem pessoas de carne e osso é uma verdade de la palisse, mas ainda servirá para alguma coisa. Por cada pedaço dessas percentagens infames conhecemos alguns ou muitos rostos de gente sem trabalho, de gente com operações marcadas e sucessivamente adiadas, gente sem dinheiro para chegar ao fim do mês, gente que já prescindiu da electricidade e do gás e já não sabe onde cortar mais. E tudo isto enquanto banqueiros sem escrúpulos nos dizem que aguentamos, empresários que deslocaram os seus impostos para o estrangeiro nos dizem que devíamos ser empreendedores, governantes com pensões vitalícias nos dizem que os sacrifícios estão quase a valer a pena.
Sabemos o que dizem os cépticos: que as manifestações não servem para nada. E sabemos o que dizem os paladinos do respeitinho muito lindo: que este governo foi eleito democraticamente e que não faz sentido andar na rua a pedir a sua demissão. Será preciso lembrar que aquela viagem às urnas de quatro em quatro anos, que os cépticos acreditam ser a nossa única forma de participar na democracia, serve para votar um programa de governo e não o conjunto de rostos que o vai executar? E será preciso lembrar que o último programa de governo escrutinado não previa esta austeridade, estes impostos ou esta chacina dos serviços públicos, e muito menos a entrega das nossas vidas à troika em troca de mais empréstimos?
Nos autocarros e nos cafés há quem brade contra a política e os políticos, colocando-se naquele patamar de pureza ingénua que assegura ausência de responsabilidade pelo futuro, em troca de um bode expiatório, neste caso a política, o mesmo bode expiatório que tantas vezes abriu portas aos paizinhos de uma qualquer verdade absoluta para que viessem tomar conta, por nós, daquilo que a nós diz respeito. Talvez não valha a pena repetir. Estamos cá, temos cabeça para pensar, palavras para discutir e voz para levantar.
Se as ruas ocupadas por milhares de vozes não dizem nada ao governo e à troika, não será por isso que a eficácia da ocupação das ruas se torna menor. Milhares de vozes a gritarem juntas produzem sempre algum efeito. Se o efeito é uma dor de cabeça ministerial ou um pequeno desvio no eixo de rotação da terra, não temos como saber antes de sair à rua, mas creio que o resultado mais importante, aquele que os telejornais não têm como medir, é a certeza sobre o que podemos fazer quando nos organizamos. Com isso havemos de fazer mais do que uma enorme manifestação, mas para já, comecemos por algum lado.