Enrolo um cigarro e olho para a mesma folha em branco.
Não sei o que escrever, nem onde começar. Sei que não quero falar de política.
Não quero falar de política. Quero falar da dona Maria («bom dia minha filha!» — diz-me quando passo por ela na rua), que vai perder a casa por não conseguir pagar a renda com o novo aumento.
Não quero falar de política. Quero falar do Sr. Luís, que fechou esta semana a mercearia: «mais de 50 anos à frente deste balcão, ainda o meu pai geria a Florida» — diz, como se a loja tivesse personalidade — «e já eu ajudava depois das aulas». Os clientes diminuem, «já não dá para as despesas…» — diz de lágrima no canto do olho.
Não quero falar de política. Quero falar da Filipa, que está à minha frente na fila para pagar a Segurança Social, trabalhadora a recibos-verdes, que ganha 485 euros por mês e, depois de pagar os impostos, não consegue quase alimentar a Joana, a filha de um ano e meio que traz ao colo: «quanto é que ela já deve à troika, sabe?» — pergunta-me. Voltou para casa dos pais com o marido.
Não quero falar de política. Quero falar do António, que desistiu da universidade, porque não consegue pagar as propinas nem arranjar trabalho. Lembro-me de ser estudante e ter pago o curso a trabalhar… «A educação agora é só para quem pode» — diz entre dentes.
Não quero falar de política. Quero falar de quem entrega os filhos, por ser incapaz de os alimentar.
Não quero falar de política. Quero falar da dona Rosa, cuja reforma «mal me dá para os medicamentos» — queixa-se...
Não quero falar de política. Quero falar da minha mãe, que está desempregada e sem subsídio de desemprego e é «demasiado velha para o “mercado”». E tem 48 anos!
Não quero falar de política. Quero falar da Ana e do João, que dependem do apoio dos vizinhos: «ai! Se a Dona Lurdinhas não me convidasse para jantar, não sei o que faria»… A Ana trabalha, o João ficou desempregado, têm dois filhos.
Não quero falar de política. Quero falar daqueles e daquelas que revertem todo o seu ordenado para pagar uma dívida que não é nossa e que nos oprime.
Não quero falar de política. Quero falar das pessoas que dormem um pouco por todo o lado nas ruas de Lisboa, do Porto e que «aguentam».
Não quero falar de política. Quero falar daqueles e daquelas de quem ninguém fala, enquanto há força, enquanto há esperança.
Não quero falar de política. Quero que a política fale de nós, seja feita para nós e nos sirva. Quero que a política traga no seu coração o povo e que o povo seja quem mais ordene, dentro de ti, ó país.
Não quero falar de política. Quero falar de um sonho de futuro que nos roubam. Quero falar da esperança que ainda tenho.
Não quero falar de política, mas acredito que ela só pode ser feita por todos e todas nós, de cidadania em punho, em cada pessoa.
Não quero falar de política, mas tudo é político, e esquecer isso é esquecer que somos parte dela. Não quero falar de política, mas falei. Quero falar de ti, de mim, de nós e ter o teu ombro lado a lado comigo nas ruas neste dia 2 de Março.
Não sei o que escrever, nem onde começar. Sei que não quero falar de política.
Não quero falar de política. Quero falar da dona Maria («bom dia minha filha!» — diz-me quando passo por ela na rua), que vai perder a casa por não conseguir pagar a renda com o novo aumento.
Não quero falar de política. Quero falar do Sr. Luís, que fechou esta semana a mercearia: «mais de 50 anos à frente deste balcão, ainda o meu pai geria a Florida» — diz, como se a loja tivesse personalidade — «e já eu ajudava depois das aulas». Os clientes diminuem, «já não dá para as despesas…» — diz de lágrima no canto do olho.
Não quero falar de política. Quero falar da Filipa, que está à minha frente na fila para pagar a Segurança Social, trabalhadora a recibos-verdes, que ganha 485 euros por mês e, depois de pagar os impostos, não consegue quase alimentar a Joana, a filha de um ano e meio que traz ao colo: «quanto é que ela já deve à troika, sabe?» — pergunta-me. Voltou para casa dos pais com o marido.
Não quero falar de política. Quero falar do António, que desistiu da universidade, porque não consegue pagar as propinas nem arranjar trabalho. Lembro-me de ser estudante e ter pago o curso a trabalhar… «A educação agora é só para quem pode» — diz entre dentes.
Não quero falar de política. Quero falar de quem entrega os filhos, por ser incapaz de os alimentar.
Não quero falar de política. Quero falar da dona Rosa, cuja reforma «mal me dá para os medicamentos» — queixa-se...
Não quero falar de política. Quero falar da minha mãe, que está desempregada e sem subsídio de desemprego e é «demasiado velha para o “mercado”». E tem 48 anos!
Não quero falar de política. Quero falar da Ana e do João, que dependem do apoio dos vizinhos: «ai! Se a Dona Lurdinhas não me convidasse para jantar, não sei o que faria»… A Ana trabalha, o João ficou desempregado, têm dois filhos.
Não quero falar de política. Quero falar daqueles e daquelas que revertem todo o seu ordenado para pagar uma dívida que não é nossa e que nos oprime.
Não quero falar de política. Quero falar das pessoas que dormem um pouco por todo o lado nas ruas de Lisboa, do Porto e que «aguentam».
Não quero falar de política. Quero falar daqueles e daquelas de quem ninguém fala, enquanto há força, enquanto há esperança.
Não quero falar de política. Quero que a política fale de nós, seja feita para nós e nos sirva. Quero que a política traga no seu coração o povo e que o povo seja quem mais ordene, dentro de ti, ó país.
Não quero falar de política. Quero falar de um sonho de futuro que nos roubam. Quero falar da esperança que ainda tenho.
Não quero falar de política, mas acredito que ela só pode ser feita por todos e todas nós, de cidadania em punho, em cada pessoa.
Não quero falar de política, mas tudo é político, e esquecer isso é esquecer que somos parte dela. Não quero falar de política, mas falei. Quero falar de ti, de mim, de nós e ter o teu ombro lado a lado comigo nas ruas neste dia 2 de Março.