As primaveras são conquistadas a pulso
A vida deste país tornou-se um inferno. Apetecia-me hibernar, fazer de urso, esperar pela Primavera.
Não estou para esconder a minha tristeza. O meu desespero. Estes últimos anos tem sido terríveis. Até o meu interminável optimismo tem uma crescente dificuldade em manter uma conversa inteligível comigo. O grau de destruição da nossa capacidade anímica, da nossa possibilidade, da nossa alegria, da nossa cultura, é arrasador.
No inferno em que a vida deste país se tornou, hibernar, fazer de urso, esperar pela Primavera, é isto a que se chama futuro?
A minha tristeza não é figurativa, um devaneio intelectual. Nas ruas encontro o mesmo cansaço, o mesmo desespero. Teremos sem dúvida muitas formas de o figurar e nem sempre coincidentes mas há uma coisa em que um largo espectro social e político parece convergir: vivemos num pesadelo, o país vive num pesadelo, a comunidade europeia vive num pesadelo.
Não há outra forma de o dizer. Aquilo que nos foi apresentado como o sonho europeu, tornou-se hoje num pesadelo, num balão de ensaio de totalitarismos vários, de onde sobressai esse austeritarismo brutal que nos tem vindo a descaracterizar. A banalização do mal de que, com tanto empenho, nos falou Hannah Arendt.
Parece tão difícil acreditar na democracia hoje!
A vida deste país tornou-se um inferno mas não há nenhuma Primavera que não seja conquistada. A menos que queiramos continuar a fazer de ursos.
E é tão pouco o que se exige a cada um: que nos encontremos, que enchamos as nossas ruas, pode ser também com a nossa tristeza, com o nosso desespero, com o nosso não saber, mas que as enchamos, que as transbordemos de nós connosco.
Dia 26 de Outubro, entre o Rossio e São Bento, estarei, estaremos lá. E de tanto não saber para onde se fará chão.
Joaquim Paulo Nogueira