Tudo se perde, nada se reforma
Este é o fim da linha para o Governo. Perante os resultados que produziram, imputam ao Tribunal Constitucional as consequências da ilegitimidade em que fundaram a execução das suas políticas.
Analisemos os resultados deste Governo nos diferentes níveis:O servilismo internacional (partindo do princípio de que o Memorando não serve os interesses do país):
O Memorando de Entendimento deveria ter sido discutido no perímetro de Bruxelas. Como sabemos, alterações à sua forma ou conteúdo só nesse espaço se poderiam ter dado. O Governo preferiu discuti-lo internamente, arremessando ao Partido Socialista as suas implicações. Porém, a clarividência com que metamorfoseou Angela Merkel das eleições legislativas de 2011 para a sua visita a Portugal em 2012 revela, mais uma vez, a leviandade, talvez propositada, com que geriu esta matéria.
Ao invés de exigir a sua alteração em sede própria, o caminho escolhido foi antes o do servilismo, da concordância com os funcionários da Troika, não permitindo sequer uma discussão política séria em torno das opções tomadas. Parafraseando Pacheco Pereira: "em protectorados existem dois tipos de indivíduos: os resistentes e os colaboracionistas". O Governo assim escolheu.
A desestruturação ideológica da Administração Pública e a inconsequência dos cortes orçamentais:
Privados de rigor e/ou base científica, muitos estudos sobre a Administração Pública surgiram. Indicando o excesso de funcionários e a ininteligência do funcionamento do sistema, rapidamente sumiram quando dados revelados pela OCDE indicavam que:
- Em Portugal, o número médio de trabalhadores pelas várias administrações é inferior ao verificado no resto da UE;
- O horário de trabalho e a sua relação com a remuneração estão igualmente abaixo da média europeia;
- Os recursos utilizados pelo Estado per capita na manutenção dos seus serviços é consideravelmente inferior aos de países igualmente desenvolvidos.
Após o falhanço destes estudos encomendados fazer escola (assim o foi junto da população, excluíndo uma cartilha de economistas devidamente providenciada), o Governo decidiu, à luz de algumas verdades feitas nunca provadas, proceder à desestruturação ideológica da Administração Pública. Este atentado, verificado no Orçamento do Estado para 2014, ataca todos os portugueses, das crianças no infantário aos viúvos abandonados em casa. A racionalização de recursos é maioritariamente acente em pressupostos salariais. Pressupostos que comprometem a estrutura de prestação de serviços do Estado, assim como a filosofia inerente ao contrato social celebrado com os cidadãos pela Constituição da República Portuguesa e o Estado. Esta revolução é ideológica, apesar de o Governo o desmentir diariamente. Para o conseguir, transformou os funcionários públicos no seu cavalo de batalha, colocando-os no epicentro de uma concepção ideológica radical. Combateu corporações e sindicatos, grupos e classes. Tudo isto em nome do ajustamento, naturalmente.
A proposta de revisão constitucional apresentada há alguns anos por Passos Coelho assim também o denuncia, somando-se às sucessivas propostas de Orçamento que visam dissipar os balanços sociais mínimos na sociedade portuguesa. Os cortes orçamentais programados vêm corroborar, para além de uma convicção maquiavélica, a inconsequência desta política. E exemplo disso é o estado da Grécia e dos seus cidadãos.
As reformas silenciadas pelas intenções de destruição:
Durante estes dois anos de actividade, fomos brindados com os mais singelos anúncios de "reformas estruturais" por parte dos vários ministros. Tais acontecimentos acompanhariam a solvabilidade financeira do Estado. Aqui fica uma listagem daquelas concluídas com sucesso:
- Reduções salariais;
- Flexibilidade laboral e precarização das relações de força entre trabalhadores e patronato;
- Estado de assalto permanente relativo a direitos e obrigações contratualizados.
Tribunal Constitucional, o bode expiatório:
Também a Comissão Europeia concebe as decisões do Tribunal Constitucional como criminosas. Depois do Governo, faltavam apenas alguns coloquiais internacionais tomarem partido pela carroça fascista que atropela tudo e todos. Num país sem a devida oposição ao Governo, valha-nos um Tribunal Constitucional não politizado e transparente, salvaguarda da réstia de pão que muitos vão comendo. Em seu nome, serão pedidos mais resgates financeiros e exigidos mais sacrifícios, apesar da separação de poderes não permitir a qualquer juiz a assinatura de qualquer contrato em nome dos governos.
Para Passos Coelho, tudo se perde e nada se reforma. Um Governo inútil, desprovido de sentido de Estado e preparação política, vingativo no seu ajuste de contas com as conquistas de Abril. Por isso estive ao lado da CGTP. E estarei com todos no próximo dia 26, com o objectivo comum de desocupar o Estado de fascistas.
Rui Moreira
Rui Moreira