segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Hoje fizemos qualquer coisa de extraordinário


Texto lido no final da manifestação de 15 de Setembro, na Praça de Espanha


Hoje fizemos qualquer coisa de extraordinário. Estamos a fazer. Esta manifestação são todos vocês que aqui estão. Ela começou num apelo de um grupo de cidadãos e cidadãs, de várias áreas de intervenção e quadrantes políticos, que quiseram contribuir para uma forte e alargada mobilização contra a troika, os troikistas e as politicas de austeridade que insistem em impor-nos. A força daqueles e daquelas que saíram à rua por todo o país mostra que juntos podemos mudar aquilo que está mal. Podemos fazer algo de extraordinário.

Estamos na rua, aqui, em Angra do Heroísmo, Aveiro, Barreiro, Beja, Braga, Bragança, Caldas da Rainha, Cascais, Castelo Branco, Castro Verde, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Figueira da Foz, Funchal, Guarda, Guimarães, Lamego, Leiria, Loulé, Marinha Grande, Mogadouro, Moncorvo, Nazaré, Nisa, Odemira, Peniche, Ponta Delgada, Portalegre, Portimão, Porto, Santa Maria da Feira, Santarém, Setúbal, Sines, Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, e pelo mundo fora, em Barcelona, nos Estados Unidos e Canadá, Fortaleza (no Brasil), Macau, Londres, Paris e até em Bruxelas e Berlim.

De acordo com os dados que conseguimos, saíram à rua perto de 1 milhão de pessoas. Estamos de facto nas ruas a fazer qualquer coisa de extraordinário e com uma mensagem clara: queremos as nossas vidas de volta, sem negociação, sem paninhos quentes, simplesmente a vida com dignidade.
É extraordinário mostrar-lhes que não, não nos resignamos. Não acreditamos que seja inevitável a miséria para onde nos querem atirar: a miséria da falta de pão, da casa que se perde; a miséria da precariedade, do trabalho que nos roubam, do direito a um trabalho digno que nos é negado; a miséria dos transportes que aumentam, do passe que já não podemos pagar e que era preciso só para ir à escola ou ao trabalho - a nossa escola pública que nos querem roubar, como nos querem roubar o direito a estar doentes e a ter um tratamento digno no serviço de Saúde pública, que é nosso.
E a cultura? E a água? E tudo o resto?

Esta manifestação é o princípio de muitas outras coisas.
É urgente uma cidadania desperta e mobilizada.
É urgente tomarmos a mudança nas nossas mãos.
O nosso protesto e o nosso encontro pode e deve ser feito em todos os locais das nossas vidas: no trabalho, no bairro, na escola, em casa.
De uma vez por todas, vamos mostrar que sabemos unir-nos. Vamos participar activamente para que nunca mais ninguém nos desgoverne.
É urgente desobedecer.
Quando não existe respeito pelo povo, quando apenas existe imposição e mentira, quando apenas existem medidas executadas à revelia da vontade do povo e instituições não eleitas que tudo decidem, essa é a altura de dizer: Não!
Todas as lutas e combates serão vitais.

Já estávamos quase a atingir o ponto de ebulição, mas a disparatada e violentíssima comunicação ao país do primeiro-ministro e as desastrosas e gravíssimas medidas anunciadas pelo ministro das Finanças rebentaram com a escala do termómetro da nossa paciência e da tolerância à mentira política, à injustiça social e à destruição da economia.
Para este governo não interessa que as suas políticas só sirvam para provocar a miséria. Para este governo a realidade é que está enganada. Os seus manuais técnicos e os seus modelos teóricos dizem que nós temos de ficar pobres, que nós temos de ser baratos, que nós temos de ser entregues à lei da selva. Que nós temos de ser sacrificados e sacrificadas para que eles – essa entidade abstracta, que tudo pode sobre as nossas vidas – para que eles possam cumprir um programa encomendado, que mais não faz do que asfixiar a economia, aumentar o desemprego e as desigualdades, destruir os bens comuns.
Vamos concretizar o nosso protesto e exigir em uníssono que este governo da troika – este governo mais troikista que a troika – se demita!


Mas não pode ser só isto.

Não queremos substituir este governo da troika por outro governo da troika, nem mesmo em versão suave.
A troika não ajuda. A troika não resgata. A troika afunda-nos, mata-nos, esmaga-nos. A troika e as suas medidas de austeridade não funcionam. Não funcionam aqui, não funcionam em Espanha, não funcionam na Grécia, não funcionam na Irlanda, não funcionam em Itália. Não funcionam no Chipre. Não funcionam na Letónia. Já foram testados e nunca funcionaram. A austeridade nunca funcionou em parte alguma do mundo e nunca funcionará..
Esta nossa manifestação – estas nossas manifestações –   é o cartão vermelho a todas as políticas de austeridade deste governo, mas também de qualquer governo que pretenda, mudando de nomes e de modos de fazer, cheio de falinhas-mansas, aplicar medidas como estas.
Hoje, juntámo-nos para exigir que se rasgue o acordo com a troika, em má hora chamado memorando de entendimento.

Hoje, dizemos que não permitiremos que medidas de austeridade e de saque nos roubem as vidas para salvar bancos, para aumentar contas em paraísos fiscais, para injectar milhões nos grandes grupos económicos.
Unidos e unidas, exigimos que, de uma vez por todas, seja recusado o Memorando da troika, que nos tem conduzido à miséria, à bancarrota, ao caos nas nossas vidas. E que a rejeição da austeridade europeia seja a exigência de uma outra Europa.

E não estamos sós. Também em Espanha se gritou hoje nas ruas “BASTA!” E amanhã o coro de vozes será ainda mais ensurdecedor: Grécia, Espanha, Irlanda, Itália, Portugal, todas as vozes juntas para gritar ao mundo que dentro de gabinetes há gente com nomes e caras que decreta medidas que nos escravizam e nos matam, que governa contra nós como se em nosso nome fosse.
Gente que, como diria o Padre António Vieira “não vem cá buscar o nosso bem, vem cá buscar os nossos bens”.


Amanhã estaremos presentes nas várias acções de protesto da sociedade portuguesa. Nesta etapa da nossa luta, é fundamental dar força a uma greve geral. Uma greve em que, por todo o lado, gente de todos os sectores do trabalho, pessoas contratadas, precárias ou desempregadas, faça parar o país e diga de uma vez por todas: "Basta! Não somos números a engrossar contas bancárias. Temos vidas. Não somos um rebanho manso que come e cala. Parem de brincar connosco. Parem de roubar-nos o nosso trabalho e a nossa dignidade!"

E é importante que seja uma greve popular. Uma greve das pessoas, para as pessoas, que são ameaçadas e chantageadas a não parar, como se fossem máquinas. Comprometemo-nos por isso a fazer todos os esforços para ajudar a construir uma greve geral popular, dinamizada pelos sindicatos com a população e a sociedade civil, que seja capaz de parar todo o país em união contra o desastre que nos é imposto.

Mas mais: resistir é o nosso dever. Menos que isso seria desistir das nossas vidas. É preciso organizar-nos na resistência. É preciso organizarmo-nos na resposta. Localmente, entre amigos/as e vizinhos/as, com colectivos, com organizações que existem e com organizações que irão ser criadas pela força da nossa revolta e da nossa determinação. Comprometemo-nos a apoiar esta greve, esta resistência e esta resposta, e a demonstrar, como hoje fizemos, que pessoas que não concordam em tudo se podem unir por uma causa. E a causa hoje são as nossas vidas.É importante que esta luta ignore fronteiras e que assuma, como hoje, uma dimensão ibérica, europeia, internacional.

No próximo dia 21 de Setembro, ao final da tarde, decorrerá um Conselho de Estado convocado pelo Presidente da República. É importante que, nessa altura, possamos estar concentrados/as em Belém para relembrar que exigimos a demissão deste Governo e que não aceitamos qualquer “solução” que siga os mandamentos da Troika. Governo - Rua! Troika - RUA!

Que se Lixe a Troika! Que se Lixem os Troikistas! Queremos as Nossas Vidas! E vamos tê-las de volta porque hoje é o primeiro dia do resto da nossa luta.