Texto lido no final da manifestação de 15 de Setembro, na Praça de Espanha
Hoje
fizemos qualquer coisa de extraordinário. Estamos a fazer.
Esta manifestação são todos vocês que aqui
estão. Ela começou num apelo de um grupo de cidadãos
e cidadãs, de várias áreas de intervenção
e quadrantes políticos, que
quiseram contribuir para uma forte e alargada mobilização
contra a troika, os troikistas e as politicas de austeridade que
insistem em impor-nos. A
força daqueles e daquelas que saíram à rua por
todo o país mostra que juntos podemos mudar aquilo que está
mal. Podemos fazer algo de extraordinário.
Estamos
na rua, aqui, em Angra do Heroísmo, Aveiro, Barreiro, Beja,
Braga, Bragança, Caldas da Rainha, Cascais, Castelo Branco,
Castro Verde, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Figueira
da Foz, Funchal, Guarda, Guimarães, Lamego, Leiria, Loulé,
Marinha Grande, Mogadouro, Moncorvo, Nazaré, Nisa, Odemira,
Peniche, Ponta Delgada, Portalegre, Portimão, Porto, Santa
Maria da Feira, Santarém, Setúbal, Sines, Tomar, Torres
Novas, Torres Vedras, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, e pelo
mundo fora, em Barcelona, nos Estados Unidos e Canadá,
Fortaleza (no Brasil), Macau, Londres, Paris e até em Bruxelas
e Berlim.
De
acordo com os dados que conseguimos, saíram à rua perto
de 1 milhão de pessoas.
Estamos de facto nas ruas a fazer qualquer coisa de extraordinário
e com uma mensagem clara: queremos as nossas vidas de volta, sem
negociação, sem paninhos quentes, simplesmente a vida
com dignidade.
É
extraordinário mostrar-lhes que não, não nos
resignamos. Não acreditamos que seja inevitável a
miséria para onde nos querem atirar: a miséria da falta
de pão, da casa que se perde; a miséria da
precariedade, do trabalho que nos roubam, do direito a um trabalho
digno que nos é negado; a miséria dos transportes que
aumentam, do
passe
que já não podemos pagar e que era preciso só
para ir à escola ou ao trabalho -
a nossa escola pública que nos querem roubar, como nos querem
roubar o direito a estar doentes e a
ter
um tratamento digno no
serviço de Saúde pública, que é nosso.
E
a cultura? E a água? E tudo o resto?
Esta
manifestação é o princípio de muitas
outras coisas.
É
urgente uma cidadania desperta e mobilizada.
É
urgente tomarmos a mudança nas nossas mãos.
O
nosso protesto e o nosso encontro pode
e
deve ser feito em todos os locais das nossas vidas: no trabalho, no
bairro, na escola, em casa.
De
uma vez por todas, vamos mostrar que sabemos unir-nos. Vamos
participar activamente para que nunca mais ninguém nos
desgoverne.
É
urgente desobedecer.
Quando
não existe respeito pelo povo, quando apenas existe imposição
e mentira, quando apenas existem medidas executadas à revelia
da vontade do povo e instituições não eleitas
que tudo decidem, essa é a altura de dizer: Não!
Todas
as lutas e combates serão vitais.
Já
estávamos quase a atingir o ponto de ebulição,
mas a disparatada e violentíssima comunicação ao
país do primeiro-ministro e as desastrosas e gravíssimas
medidas anunciadas pelo ministro das Finanças rebentaram com a
escala do termómetro da nossa paciência e da tolerância
à mentira política, à injustiça social e
à destruição da economia.
Para
este governo não interessa que as suas políticas só
sirvam para provocar a miséria. Para este governo a realidade
é que está enganada. Os seus manuais técnicos e
os seus modelos teóricos dizem que nós temos de ficar
pobres, que nós temos de ser baratos, que nós temos de
ser entregues à lei da selva. Que nós temos de ser
sacrificados e sacrificadas para que eles – essa entidade
abstracta, que tudo pode sobre as nossas vidas – para que eles
possam cumprir um programa encomendado, que mais não faz do
que asfixiar a economia, aumentar o desemprego e as desigualdades,
destruir os bens comuns.
Vamos
concretizar o nosso protesto e exigir em uníssono que este
governo da troika – este governo mais troikista que a troika – se
demita!
Mas
não pode ser só isto.
Não
queremos substituir este governo da troika por outro governo da
troika, nem mesmo em versão suave.
A
troika não ajuda. A troika não resgata. A troika
afunda-nos, mata-nos, esmaga-nos. A troika e as suas medidas de
austeridade não funcionam. Não funcionam aqui, não
funcionam em Espanha, não funcionam na Grécia, não
funcionam na Irlanda, não funcionam em Itália. Não
funcionam no Chipre. Não funcionam na Letónia. Já
foram testados e nunca funcionaram. A austeridade nunca funcionou em
parte alguma do mundo e nunca funcionará..
Esta
nossa manifestação – estas nossas manifestações
– é o cartão vermelho a todas as
políticas de austeridade deste governo, mas também de
qualquer governo que pretenda, mudando de nomes e de modos de fazer,
cheio de falinhas-mansas, aplicar medidas como estas.
Hoje,
juntámo-nos para exigir que se rasgue o acordo com a troika,
em má hora chamado memorando de entendimento.
Hoje,
dizemos que não permitiremos que medidas de austeridade e de
saque nos roubem as vidas para salvar bancos, para aumentar contas em
paraísos fiscais, para injectar milhões nos grandes
grupos económicos.
Unidos
e unidas, exigimos que, de uma vez por todas, seja recusado o
Memorando da troika, que nos tem conduzido à miséria, à
bancarrota, ao caos nas nossas vidas. E que a rejeição
da austeridade europeia seja a exigência de uma outra Europa.
E
não estamos sós. Também em Espanha se gritou
hoje nas ruas “BASTA!” E amanhã o coro de vozes será
ainda mais ensurdecedor: Grécia, Espanha, Irlanda, Itália,
Portugal, todas as vozes juntas para gritar ao mundo que dentro de
gabinetes há gente com nomes e caras que decreta medidas que
nos escravizam e nos matam, que governa contra nós como se em
nosso nome fosse.
Gente
que, como diria o Padre António Vieira “não vem cá
buscar o nosso bem, vem cá buscar os nossos bens”.
Amanhã
estaremos presentes nas várias acções de
protesto da sociedade portuguesa. Nesta etapa da nossa luta, é
fundamental dar força a uma greve geral. Uma greve em que, por
todo o lado, gente de todos os sectores do trabalho, pessoas
contratadas, precárias ou desempregadas, faça parar o
país e diga de uma vez por todas: "Basta! Não
somos números a engrossar contas bancárias. Temos
vidas. Não somos um rebanho manso que come e cala. Parem de
brincar connosco. Parem de roubar-nos o nosso trabalho e a nossa
dignidade!"
E
é importante que seja uma greve popular. Uma greve das
pessoas, para as pessoas, que são ameaçadas e
chantageadas a não parar, como se fossem máquinas.
Comprometemo-nos
por isso a fazer todos os esforços para ajudar a construir uma
greve geral popular, dinamizada pelos sindicatos com a população
e a sociedade civil, que seja capaz de parar todo o país em
união contra o desastre que nos é imposto.
Mas
mais: resistir é o nosso dever. Menos que isso seria desistir
das nossas vidas. É preciso organizar-nos na resistência.
É preciso organizarmo-nos na resposta. Localmente, entre
amigos/as e vizinhos/as, com colectivos, com organizações
que existem e com organizações que irão ser
criadas pela força da nossa revolta e da nossa determinação.
Comprometemo-nos a apoiar esta greve, esta resistência e esta
resposta, e a demonstrar, como hoje fizemos, que pessoas que não
concordam em tudo se podem unir por uma causa. E a causa hoje são
as nossas vidas.É
importante que esta luta ignore fronteiras e que assuma, como hoje,
uma dimensão ibérica, europeia, internacional.
No
próximo dia 21 de Setembro, ao final da tarde, decorrerá
um Conselho de Estado convocado pelo Presidente da República.
É importante que, nessa altura, possamos estar concentrados/as
em Belém para relembrar que exigimos a demissão deste
Governo e que não aceitamos qualquer “solução”
que siga os mandamentos da Troika. Governo - Rua! Troika - RUA!
Que
se Lixe a Troika! Que se Lixem os Troikistas! Queremos as Nossas
Vidas! E vamos tê-las de volta porque hoje é o primeiro
dia do resto da nossa luta.