sexta-feira, 21 de setembro de 2012


Pelo direito de cidadania activa

A 15 de Setembro, um grupo de cidadãos e cidadãs decidiu lançar um apelo à sociedade portuguesa para que se manifestasse nas ruas de Lisboa, em protesto contra o rumo imposto por orientações externas impostas sem sufrágio democrático - pela Troika - e contra o modelo de governação vigente. Mais de 40 cidades responderam espontanea e autonomamente a este apelo. Realizou-se o que muitos dizem ter sido “o maior protesto de massas desde o 25 de Abril”. Um milhão de vozes exerceu o seu direito de cidadania e expressou claramente a sua indignação e o seu protesto. Foi claramente qualquer coisa de extraordinário.

O activismo e a participação civica e política são garantias constitucionais em quase todos os países. Todavia, o modelo de governação vigente na maioria dos países ditos democráticos tem vindo a sofrer profundas alterações e condicionalismos decorrentes da interferências de interesses económicos e financeiros sem responsabilidade democrática, de agentes e instituições supra- nacionais não sufragadas e de clientelismos e corruptelas de gravidade diversa.

Estas modalidades de ingerência nos regimes democráticos de muitos países têm conduzido ao agravamento de uma crise económica de larga escala, nomeadamente a nível europeu, e, apesar de conhecidos os mecanismos e os responsáveis por este desenlace, as soluções apontam apenas para o agravamento das condições de vida dos povos e do planeta, agravam o desemprego e a precariedade e fragilizam os direitos laborais e cívicos de cidadania.

Acresce que todo este clima de imposição de políticas de austeridade tem trazido consigo o crescimento de medidas de repressão e de limitação dos direitos políticos dos cidadãos e das cidadãs: a detenção e repressão policial de manifestantes, a proibição ou a limitação de protestos no espaço público, a regulamentação restritiva do exercício político cidadão ou o encerramento de espaços e a perseguição a colectivos de activistas.

Na Grécia, durante o último ano, são bem conhecidas a brutalidade e a repressão generalizada de diversos protestos populares; em Inglaterra, o processo Julian Assenge revelou-se paradigmático do modo de limitação do direito de informar e de expressão; no Egipto, depois da brutalidade sobre os manifestantes que clamavam liberdade e democracia sucedeu-se uma forte perseguição a activistas e cyberactivistas; na Rússia, o caso Pussy Riot terminou numa pena de prisão injustificável; e, na África do Sul, a matança horrível de civis grevistas demonstra que os últimos tempos estão muito distantes do respeito pelos Direitos do Homem, da Liberdade de Expressão ou da participação cidadã livre e democrática.

Nos últimos dias, em Espanha, vários manifestantes no dia 15 de Setembro foram detidos injustificadamente por protestarem nas ruas das suas cidades. A Plataforma Afectados pela Hipoteca, parte da Cumbre Social, que coliga mais de 900 organizações, já repudiou as detenções. Colectivos foram desalojados sem aviso prévio nem processos pendentes apenas para limitar a sua capacidade mobilizadora e actuante. Em Portugal, ressalve-se que a polícia cumpriu a 15 de Setembro o seu dever de acompanhar a segurança dos manifestantes, e a fotografia do abraço entre uma activista em protesto e um agente em trabalho correu mundo; no entanto, agravam-se as medidas de prisão ou os julgamentos sumários sobre manifestantes que praticam actos de desobediência civil ou simplesmente convocam protestos. A criminalização do protesto, como bem refere o comunicado do colectivo RDA69, é uma doença que contamina as democracias. É preciso combatê-la. Já.

Paralelamente, a justiça opera com extrema lentidão e dificuldade nos chamados crimes de “colarinho branco”, de corrupção, de desvio ou de branqueamento de capitais, cujos desfechos são frequentemente a absolvição, a anulação ou o arquivamento dos processos.

O direito à cidadania activa impõe-se e é urgente, e as grandes manifestações do passado sábado, em Portugal ou na Espanha, demonstram que os cidadãos e as cidadãs sabem exercer os seus direitos responsavelmente, mesmo que com firmeza e indignação, e que a sua voz não deve ser calada ou aprisionada, sob o manto persecutório e paranóico da ameaça terrorista.