uais
e da constituição. correm mal porque diariamente as notícias são
verdadeiros arautos de uma guerra sem tréguas onde as pessoas parecem
ser apenas baixas necessárias para mercados desgovernados e governos
autistas. correm pior ainda os dias porque, entre privatizações
selvagens e negociatas mafiosas, na foto final ficam sempre os mesmos
rostos alinhados num sorriso cínico de tanta impunidade. e pior não
poderiam ser estes dias porque são igualmente maus e sombrios por onde
quer que o olhar se alinhe, tornando o planeta num lugar sem brilho, sem
vida, sem sentido. acresce que piores ficam os dias porque já nem a
arte e a cultura os pode iluminar, cansadas, encaixotadas e amarradas
que estão as mãos e o engenho que as podiam animar. e de mal em mal, nem
aos corpos é permitida a dor e o cansaço porque já não restam lugares -
que foram nossos, que são, na verdade, nossos - onde os corpos se
tratem, repousem, redimam. estes dias que correm, correm de facto mal
para a maioria, tão mal que nem parece possível evitar que corram tão
mal. que nem parece plausível que possam correr pior. mas sabemos que
tudo pode ainda correr pior. e é por isso que é preciso fazer algo de
extraordinário. algo que tem de ser feito porque não é possível estar
mais tempo neste inferno de cadáveres adiados. e algo de extraordinário
passa por conseguirmos sair das nossas feridas temporárias, das nossas
rixas domésticas, das nossas fraturas vicinais e acertarmos o passo na
caminhada que se impõe fazer sem demora. urgente é a vida. e urgente são
as coisas extraordinárias quando os dias correm mal. e essa urgência
não é a de voltarmos atrás, sob a ilusão de que antes estavamos bem, mas
antes a de avançarmos para uma outra coisa. essa coisa extraordinária
que é a repartição justa da riqueza, a partilha do comum, a garantia da
igualdade e da equidade e garantia da liberdade. por isso me junto aos
que sentem que é preciso dar um sinal firme, um sinal de indignação, um
sinal de criação de dias diferentes. que se lixe a Troika (e os governos
a seu mando). estes são apenas o carrasco desse abismo que se chama
capitalismo selvagem e que se acoitou numa democracia corrupta e
fragilizada…é preciso sobressaltá-la, agitá-la e trazê-la à superfície.
em todos os lugares porque é de todos os lugares esta podridão
instalada. é urgente tomar conta dos dias, que são afinal nossos,
sempre foram, apenas nos temos esquecido disso embalados pelo canto da
sereia que são os mercados, os ratings, os memorandos, as medidas
expecionais, as golpadas palacianas. e portanto, é preciso fazê-lo aqui,
em Lisboa, mas também ali no país, e acolá pela Europa, e lá longe, em
todo o planeta. é preciso fazer coisas extraordinárias globalmente.
porque é preciso interromper este tempo de coisa nenhuma, suspender o
malefício destes dias sombrios, abortar esta avalanche de futuro anulado
que a austeridade de políticos e a ganância de banqueiros e
especuladores nos trouxe para última refeição. sentença macabra
sustentada numa crise bem modelada por mãos sinistras e hábeis de
responsáveis escondidos em gabinetes por entre dolares, euros, guerras e
petróleos, defendidos por cacetetes e leis que só a eles obedecem, que
só a eles interessam. Mas quem é que foi aqui condenado?! Não cometemos
crime algum! Não temos nada para nos arrepender, a não ser termos sido
complacentes com a nossa própria condenação. E por isso, dia 15 de
Setembro estarei nas ruas para fazer coisas extraordinárias com todos
aqueles que desejam que os dias sejam diferentes. Extraordinariamente
diferentes.
PAULO RAPOSO, antropólogo, professor universitário e activista.
PAULO RAPOSO, antropólogo, professor universitário e activista.