O que é que há de extraordinário em querer o mínimo? Nada. Podemos perder horas infindáveis a discutir que mínimo é esse, mas o mais extraordinário é que não hesitamos em dizer, ou teclar, nos nossos circuitos mais íntimos, fechados e casuais, que há um mínimo dos mínimos que nos foge todos os dias: o trabalho que não temos ou
que não nos chega para viver, o médico a que deixámos de ir ou que deixámos de ter, a segurança de planear o futuro, o limiar de esperança de que as nossas vidas poderiam desaguar em novas vidas mais felizes, num quotidiano em que todas as gerações que somos se entreajudam, para que velhos e novos olhem para as suas vidas como algo que vale a pena viver e partilhar.
Aqui, na Grécia, ou em Espanha, ou em qualquer parte, quando há gente que se mata por desespero, e ainda nos acusam de viver acima das nossas possibilidades, a lengalenga é sempre a mesma. A austeridade só funciona para os abutres que enchem o bagulho da miséria alheia, como só não vê quem não quer. Mas quando nos dizem que é legítimo privatizar o que todos construímos para que o lucro seja a medida de todas as coisas, não são «eles» que nos roubam as nossas vidas: somos nós que as damos de mão-beijada. E isso é que é extraordinário. Quietos, mansos e isolados, somos carne para canhão no casino financeiro em que gente não muito diferente de nós (sim, «os mercados» são gente com nome, veias, desejos e pesadelos) transformou o mundo. E no mais íntimo dos seus pesadelos, esta gente sabe o quão extraordinariamente simples pode ser transformá-lo noutra coisa melhor — basta que deixemos de dar corpo à rede de resignação e apatia que lhes ampara os golpes especulativos com que expropriam todos os pilares da vida humana: o trabalho, a natureza, a água, os alimentos, os serviços públicos que garantem o acesso universal à saúde, à educação, ao transporte, à informação e à cultura.
É por tudo isto, e muito mais, que no dia 15 vou dizer à Troika & friends que se vão lixar. Quero a minha vida, uma entre tantas. No mínimo, exijo que saibam que destruírem-nos não é alternativa que eu esteja disposta a aceitar. Quero estar na rua com gente que pensa e age por muitas alternativas, diferentes e não necessariamente compatíveis, mas unida por uma vontade comum: a de não ser cúmplice neste processo extraordinariamente violento em que nos vão roubando a capacidade de querer muito mais do que o mínimo dos mínimos: as nossas vidas. Vamos fazer algo de extraordinário: resgatá-las. Dia 15, em Lisboa e Madrid. Para já.
MARIANA AVELÃS