sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Texto de Tiago Rodrigues


À semelhança de tantos portugueses

Começo este texto com o objectivo de apelar à adesão a uma manifestação. Uma manifestação que mostre a indignação dos portugueses perante a opressão a que são sujeitos. Uma manifestação que mude o estado das coisas. Uma manifestação marcada para o dia 2 de Março de 2013.
Mas quem sou eu para apelar a uma manifestação? Já fui a algumas e até levei umas cacetadas da polícia, mas não fui a todas as que devia ter ido. À semelhança de tantos portugueses, às vezes deixo-me estar no meu canto, resignado, preguiçoso ou entregue ao meu trabalhinho. Nem sempre aderi às greves. À semelhança de tantos portugueses, às vezes desconfio da actuação dos sindicatos. Já protestei bastante, mas também houve alturas em que não protestei, mesmo estando indignado. À semelhança de tantos portugueses, às vezes gasto mais energia no queixume do que na acção. À semelhança de tantos portugueses, às vezes desisto.
Assim, se o caríssimo leitor precisa de ser convencido a ir a esta manifestação por alguém com superioridade moral, pode parar de ler este texto. Haverá outros mais indicados para o seu caso. No entanto, este texto continua. E a razão pela qual continua é que eu acredito que no dia 2 de Março, nem eu, nem nenhum português (independentemente da sua estatura moral) pode dar-se ao luxo de ficar calado. Porque no dia 2 de Março, ser «à semelhança de tantos portugueses» pode significar outra coisa: estarmos juntos a defender a democracia que ninguém defende por nós. No dia 2 de Março, vou estar na rua, porque acho que a democracia portuguesa está doente. A morte da democracia é a contradição total entre a acção dos governantes e a vontade do povo que os elegeu. No Portugal democrático nunca esta contradição foi tão transparente e tão violenta como hoje. Este governo rasga diariamente o contrato que assumiu com os portugueses quando foi eleito. E fá-lo para beneficiar interesses económicos privados, comprometendo o acesso da população à segurança social, à saúde, à educação, à justiça e à cultura. Isto é matar a democracia. A questão já não é o falhanço absoluto das políticas de austeridade, medidas ideológicas disfarçadas de inevitabilidades económicas, que apelavam ao sacrifício de todos em nome de nenhuma ideia de país. Isso foi apenas o princípio desta tragédia. Hoje, trata-se de opressão. Os portugueses são oprimidos pelo seu governo. Todos os dias nos é roubado um direito. Todos os dias nos é ameaçada uma liberdade. O título desta tragédia é «Opressão».
Já que falamos em tragédias, na «Antígona» de Sófocles há uma cena em que Hémon, filho do rei Creonte, diz ao pai que, se ele quer governar sozinho, devia governar uma cidade deserta. Quando os portugueses olham para o seu governo é isso que pensam: este governo merece um país deserto. É isso que pensa o meu irmão enquanto continua a procurar um primeiro emprego onde possa dar uso à licenciatura que conquistou. É isso que pensa a minha amiga que trabalha a recibos verdes há mais de uma década. É isso que pensa a minha mãe quando faz as contas e percebe que a reforma não vai chegar. É isso que pensam os meus primos que emigraram para Angola. É isso que pensam muitos colegas meus, sem trabalho e sem subsídio de desemprego. É isso que pensa a minha avó quando espera dias para ter assistência médica na sua aldeia. E isto são só as pessoas que estão à minha volta, bem pertinho de mim. Cada um dos que continuou a ler este texto terá a sua colecção de escândalos para enumerar. Sejam as crianças de Elvas que vão à escola só para poder almoçar ou os trabalhadores desesperados nos estaleiros de Viana do Castelo, são muitos os dramas que nos empurram para a rua. E por isso é que acredito que são milhões os portugueses que também pensam que este governo merece um país deserto.
Mas no dia 2 de Março podemos fazer alguma coisa. E temos que o fazer, porque a verdade é que ninguém o vai fazer por nós. É um desafio nosso. A oportunidade é nossa. No dia 2 de Março podemos habitar o país, em vez de o deixar deserto. Podemos fazer uma respiração boca a boca a esta democracia e salvá-la no último momento. No dia 2 de Março podemos erguer a voz por cada direito que nos é roubado, fazer um gesto por cada liberdade que é ameaçada. E é por tudo isto que, no dia 2 de Março, eu estarei na rua, mas não serei apenas um. Serei «à semelhança de tantos portugueses».