terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Texto de Fernando Mora Ramos


Pelo fim da ditadura da dívida, um 2 de Março gigante

O 15 de Setembro prometia, e penso que promete, como manifestação, em dois sentidos: como expressão de um desejo maioritário de mudança no país e como ocupação algo espontânea (sem tutela ordeira nem decibéis descontrolados de palavra única) do espaço público, sempre sujeito a regras funcionais sistémicas, isto é, como modo de escrever na cidade, com os corpos, uma outra possibilidade de sociedade, outra vida, a tal vida que queremos e que não é apenas aquela vida que já foi melhor e que tivemos.

As manifestações são relevantes por isso, porque são essa outra vida no tempo em que acontecem e são propulsoras dessa possibilidade alternativa de sociedade. E uma forma combativa de afirmar alternativa, alternativas. Há uma harmonia na diversidade ampla dos propósitos, que expressa sem ceder ao modo como o mercado compartimenta as pessoas, supostamente de acordo com as suas preferências «identitárias» ou mesmo de outro tipo, insignificantes, muitas vezes apenas simulacro de qualquer coisa, o mercado que nos diz que personaliza as suas soluções, mas que não resolve nem a questão do desemprego, nem a crescente desigualdade entre ricos e pobres, muito menos o exercício generalizado de um poder cuja legitimidade é só aparente e que no fundo é corrupto, ligado à alta finança especuladora globalizada e às ditaduras e organizações criminosas. Não esqueçamos que a experiência neoliberal de referência é o Chile de Pinochet, que não foi criticamente condenado do lado económico, como resultado do golpe político, e que teve o FMI comprometido, como se sabe.

O que é comum, nesta manifestação do 2 de Março, sobrelevará os particularismos, e todos e cada um, no campo político, entenderão que a oposição comum a formas de autoritarismo e a formas existentes e já totalitárias de práticas sociais em instituições e fora delas são questões que nos unem para além das diferenças e que unem essas diferenças nessa riqueza de todos, que é um propósito de sociedade alternativa e verdadeiramente democrática.

O que me parece, entretanto, essencial e decisivo é que estas manifestações, e espero que o 2 de Março se agigante como o maior protesto de rua de sempre em Portugal, dêem lugar a formas organizadas de participação política, formas que não têm que cumprir o figurino partidário, mas que têm que ter sujeito e mecanismo organizativo em formação, não podem ser apenas pontuais e informais. Com a precariedade organizativa pode bem o poder instalado, as suas polícias e os seus serventuários em todas as frentes e instituições que dominam. Ao estado policial organizado não nos podemos opor pela via apenas da expressão pública do protesto na rua, ciclicamente, é necessário criar as condições de derrube da pandilha instalada, a quem nenhuma suposta legitimidade por via eleitoral resta. É necessário opor organização a organização, criar uma verdadeira capacidade de protesto e de criação de alternativa. O exercício da alternativa é mais que a expressão do desejo da alternativa. Olhemos o exemplo da Islândia e o modo como um pequeno povo, nem por isso perdendo a qualidade de ser referência, tomou em mãos as rédeas do seu próprio destino.