Saímos à rua para não dar em loucos.
Saímos à rua para perceber se mais gente pensa como nós, se tudo aquilo que andamos a ler na imprensa, a ver na televisão, a ouvir nos cafés não é simplesmente uma fantasia triste e desapegada que a nossa cabeça inventou.
Saímos à rua para acreditar ainda que podemos mudar as coisas, que a nossa vontade com a vontade dos outros faz sentido e que a vida nãoserá apenas uma soma de derrotas ou ilusões perdidas.
Não vale a pena fazer de conta. Já não há dinheiro, nem tempo, nem ideias ou desculpas para fazer de conta. Há quem o faça, como se a vida de todos os dias pudesse esconder o inevitável. Como se a vida fosse programável tal e qual um comando da televisão: quando alguma coisa não nos agrada, mudamos de canal. Mas infelizmente ou felizmente, não podemos mudar de vida, ou pelo menos, se amamos o país em que vivemos e é aqui que queremos continuar a viver, não podemos mudar de vida.
Podemos mudar a forma como pensamos, a forma como agimos, podemos estar onde estão os outros que pensam como nós e não estão loucos como pensamos que estamos. A solidão nas cidades é a maior inimiga do colectivo, da ideia de comunidade. Andamos fechados em agendas, compras, horários e esquecemo-nos da força que somos e da força que temos. O egoísmo e o consumismo, o prazer do dinheiro pelo prazer do dinheiro alteraram por completo os nossos comportamentos, os nossos princípios e as nossas condutas. Convenceram-nos de que o sucesso e a felicidade são uma mão cheia de coisas. Somos feitos de coisas: casas, carros, roupa, gadgets, restaurantes e ilhas paradisíacas onde nos dizem que podemos descansar e aproveitar a vida. Mas há uma vida na cidade e no país que precisa de nós: a vida de todos. E todos, apenas todos, podemos dizer que não estamos loucos, que não estamos ausentes, nem deslumbrados, nem fomos ainda comprados por tudo aquilo que nos dizem que devemos.
Devemos isto e aquilo, entre dívidas e deveres. Apenas isso. Uma espécie de aposta diabólica, troca por troca: dão-nos as coisas que nos convenceram a ter e em troca somos aquilo que eles precisam que sejamos.
Eles. O fosso aumentou e estigmatizou-nos. A nós. Como se não pudéssemos ser mais nada senão o que somos e eles pudessem ser tudo porque são quem são. E quem são eles, senão uma parte nossa? E quem são eles, senão uma vontade nossa? É nisso que temos que acreditar duma vez por todas e é isso que lhes temos que dizer duma vez por todas.
Saímos à rua porque a política somos nós.