quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Texto de Ângela Fernandes

Chamo-me Ângela, 35 anos, por agora lésbica, estudante, trabalhadora precária e nos tempos quase livres, quando o bichinho ataca, e ataca sempre, activista de rua, de pessoas e de causas. Sou uma das subscritoras desta moção. Estas simples frases iniciais estão carregadas de identidades mutantes de luta e em luta. Nelas ficam estampadas tramas de ânsias, de receios e de esperanças com que muita gente se identifica. Gente que como eu cedo se habituou a ouvir discursos cheios de verdades incontornáveis, inevitabilidades, insustentabilidades e infalibilidades. Primeiro, a verdade incontornável do domínio masculino, depois a insanável caixa da heterossexualidade imposta e universal, a seguir a inevitabilidade de uma identidade de género associada ao sexo biológico com que nascemos e por último a inevitabilidade dos comportamentos que se querem apropriados à condição de ser mulher.

Do mesmo modo que muitos como eu nunca encaixaram e nem aceitaram estas ditaduras sociais que nos foram impostas, também não estamos agora dispostos a cruzar os braços e a sucumbir perante esta suposta e inevitável ditadura financeira dos mercados e esta crise artificialmente criada. Se somos contra a discriminação somos contra qualquer tipo de discriminação, se lutamos contra uma ditadura, lutamos contra todos os tipos de ditadura. Como estava escrito num cartaz de protesto, não somos os filhos da democracia somos os pais da próxima revolução.

Não aceitamos uma vida que não seja vivida. Não aceitamos uma vida não vivida e dividida em duodécimos, uma vida não vivida e alimentada com fome dos alunos que desmaiam a meio das aulas e que às escondidas vão encher a mochila para poderem jantar, uma vida não vivida e alimentada nas cantinas universitárias que fecham, uma vida não vivida e com fome dos estudantes com marmitas às costas, porque no orçamento familiar pesa a refeição na cantina. Uma vida não vivida e sedenta de água pública que se pretende privatizar, uma vida saudavelmente não vivida através de cuidados de saúde básicos que se tornam incomportáveis, uma vida renascida e não vivida através da maternidade que fecha, uma vida não vivida através dum programa de prevenção da sida cuja distribuição de preservativos é criminosamente interrompida. Uma vida não vivida em que os números de camas dos hospitais diminuem por causa do excesso de oferta. Uma vida não vivida, a trabalhar sem prazo para receber um salário miserável, uma vida não vivida, onde as mulheres ganham menos que os homens, uma vida não vivida à custa da ajuda financeira dos pais, uma vida não vivida, no meio de ginásticas de matemáticas domésticas para o pagamento das contas no fim do mês, uma vida não vivida, no meio de escalões de IRS mal calculados, uma vida não vivida «do piegas que emigra», uma vida não vivida daqueles que lutaram e contribuíram para o estado social, que está hoje a ser destruído e cujas pensões de miséria estão sujeitas ainda a mais cortes, uma vida não vivida daqueles que não conseguem pagar as rendas de casa e que por isso são desalojados. Uma vida não vivida sem apoio à cultura, que nos deixa de pés e mãos atadas para o pensamento crítico e para a liberdade de expressão e de emancipação.

Porque não me quero adaptar e aprender a sobreviver, vou sair para rua. Eu quero é viver, porque recuso verdades incontornáveis, inevitabilidades e tolerâncias. Porque recuso-me a ser espectadora da minha própria vida. Recuso-me a ver a liberdade de expressão e de protesto censuradas. Recuso-me a ver activistas perseguidos e criminalizados. Recuso-me a ver direitos sociais, laborais e humanos há tanto tempo conquistados serem agora retirados sob esta capa mágica multi-abragente, que todos os propósitos serve, por governos, por troikas, por FMI e bancos centrais europeus. Direitos esses que levarão décadas a ser recuperados. Por isso eu vou para a rua gritar. Porque ir para a rua não são só meros slogans que se gritam a plenos pulmões e peças de teatro mal encenadas que voltam ao vazio no dia seguinte. Ir para a rua é o antes, é o durante e é o rescaldo da manifestação. Ir para rua é o reclamar das nossas vidas, o reclamar dos nossos sentimentos, é o reclamar de identidades, é o reclamar do outro e é sobretudo o reclamar da nossa própria humanidade. Porque esta «austeridade» não só impede de construir o novo, como destrói o que já foi construído e impede que se façam planos para construir o que há-de vir. Não resisto: troika??? Troika só na cama! E 2 de Março é na rua!