Dos fracos não reza a estória
Foi Hemingway que o disse: um homem pode ser destruído, mas não derrotado. Ponhamos no plural, tanto vale, o grande escritor não aventou outra coisa, apenas singularizou a tese. Um homem não seria aquele, único, o pescador Santiago que perseguia um peixe enorme, vencendo essa batalha, mas perdendo-a depois da vitória para os tubarões que, topando o ganho do homem à custa do enorme esforço feito, não fizeram mais do que, para proveito próprio, sacar, ia a dizer sem espinhas não fora o descabido da expressão no caso, o produto da faina justamente consumada.
A estória, que nos fala da lei da natureza se tivermos em conta o comportamento normal dos tubarões perante um repasto facilitado que não podiam desdenhar, lembra-nos acima de tudo a tenacidade e a força de quem, por muito que se adivinhe difícil, literalmente por mares nunca dantes navegados, alcançar o seu objectivo, o persegue com a vontade de quem sabe que o pode atingir, malgrado as ondas adversas que tenha de enfrentar. Porém, estes são os tubarões sem alcunha, assim chamados por ser esse o nome que lhes foi atribuído pelos homens. «O Velho e o Mar» conta-nos isso. Mas lembra-nos outra história, esta com agá, da qual são protagonistas homens e tubarões e que decorre assim: era uma vez o Homem, vestido com a letra grande com que se designa um aglomerado de gente a que se chama Povo. Esse Homem resolveu que a pobreza não tinha de ser um fado e, sendo Povo, descobriu o direito de ser Homem. Meteu-se no barco que pega o destino pelos cornos e elevou-se ao patamar onde a vida se derrama em palavras e actos que tratam por tu a justiça, a igualdade, a fraternidade, o trabalho, a solidariedade e a dignidade. Porém, no mar em que navegava essa gente de cabeça erguida, o Grande Tubarão, atento, foi esperando a sua oportunidade e, ao menor baixar de guarda, filou o Homem, primeiro roubando-lhe discretamente o peixe miúdo de uma jornada menor, depois atiçando-se contra pesca mais grossa que o Homem conquistara em anos e anos a lutar denodadamente contra as marés.
Estava o Homem convencido de que a vida passara a ser-lhe menos madrasta e vai daí o Grande Tubarão, sentindo que abalroara a contento a sua embarcação, afinal mais fraca do que julgara, decretou que o Homem teria direito à sua sobrevivência, navegando nos restos do seu barco agora jangada, isto se continuasse a pescar guardando para si o dízimo e ficando o grosso da pescaria para o Grande Peixe. Então o Homem protestou. E o Grande Tubarão riu-se do protesto. Depois o Homem reivindicou o produto da sua faina. E o Grande Tubarão armou peixes de grandes dentuças para retaliar a jangada e amedrontar os seus ocupantes. E o Homem disse «então não pesco». E o Grande Tubarão disse «ai, pescas, pescas!». Porém, a convicção dos indignados aumentou e, ao invés, a soberba do Peixão decresceu.
Não sei o resto da estória, melhor dizendo, da História. Mas, como se diz do Natal, o final dela há-de ser quando o Homem quiser.