quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Texto de Tiago Torres da Silva


PORQUE É QUE EU VOU À MANIFESTAÇÃO DE 2 DE MARÇO

Porque é que eu vou à manifestação de dia 2 de Março?… Pela mesma razão que fui a todas as outras. Porque vejo um povo sem futuro, sem esperança, sem nenhuma possibilidade… Porque vejo a corrupção celebrada como uma fatalidade do destino e não acredito nisso… porque escuto os meus semelhantes… ouço-lhes os gritos, as revoltas… e sinto-me irmão deles, ainda que eu seja um privilegiado porque, apesar de pobre, ainda tenho um telhado sob o qual dormir e uma refeição à mesa… mas já não ligo os aquecedores quando está frio… já vou dormir mais cedo para poupar na conta da luz...
Todas as pessoas que conhecem o teatro que escrevo e enceno sabem que, mesmo quando eu falho, ele é sempre uma tentativa de dar voz a quem não tem voz. No meu teatro dei voz a prostitutas, travestis, sem-abrigo, actores sem trabalho, yuppies solitários, velhos, soldados deixados para trás em guerras que eles próprios desconheciam. Penso que a Arte é o lugar que pode existir como contraponto do poder instituído por governos feitos por políticos criados nas «jotinhas». Mete-me nojo saber que as próximas eleições, por fatalidade, serão ganhas pelo Partido Socialista e as que vierem a seguir serão ganhas pelo PSD. Alguma coisa terá de mudar e, no entanto, sei que bater nestes nossos governantes é quase como gritar com o caixa do supermercado por causa das políticas dos seus superiores. Quem manda nisto tudo, o nosso maior inimigo é o poder financeiro, as empresas de rating que colocam seus apoderados em lugares chave um pouco por todo o mundo. Vencê-los é a única vitória que poderá trazer um bocadinho de justiça e harmonia ao mundo. Nunca o valor da vida foi tão baixo. Nunca valemos tão pouco como agora e por isso é este o momento de bater nos caixas do supermercado para que estes levem o nosso protesto aos seus superiores e estes a outros e aí por diante até que todas as Goldmans & Sachs e quejandas tremam de medo.
Gosto muito de ver documentários sobre a natureza. Muitas vezes vejo ataques de três ou quatro leões contra uma manada de búfalos. Os búfalos, muito maiores, em maior número e mais fortes, fogem e, por isso, três ou quatro leões conseguem matar a presa que lhes parece melhor. Mas, algumas vezes, os búfalos unem-se e reagem. Na força de serem muitos, viram-se contra os leões e dizimam grupos inteiros. Vão fêmeas, machos, crias… Vai tudo pelos ares… e o rei da selva é aniquilado...
Os poderosos deste mundo são meia dúzia e contam com o nosso medo para fugirmos cada um para seu lado e assim ficarmos à mercê do seu desejo de carnificina. Mas vai haver um dia em que nós vamos dar as mãos e vamos investir contra eles. Nesse dia, tenham cuidado, Senhores Leões, porque não vai haver dó ou misericórdia. Nós somos uma manada e uma manada em fuga é o mais fácil de dominar. Mas quando nós pararmos, olharmos uns para os outros e dissermos: «agora, vamos marrar!» não vai haver leões que nos parem.
Eu vou à manifestação de dia 2 de Março como fui a todas as outras. Sou presa nas mãos de predadores ferozes, ignóbeis e cruéis. Vou para olhar nos olhos das outras presas, para dar as mãos às outras presas. Quero estar presente no momento em que nos vamos entreolhar todos e, porque já não teremos nada a perder, perceberemos que chegou a hora de marrar!, marrar!, marrar mesmo sabendo que alguns de nós perecerão nesse momento, porque os leões têm muita força… alguns de nós ficarão… mas os leões ficarão todos caídos por terra, surpreendidos por as presas se terem tornado predadores de um momento para o outro.
Eu vou à manifestação do dia 2 de Marco porque sei que esse momento está a chegar.