Ao contrário do que afirma o início do manifesto do partido comunista, o que percorre hoje o mundo não é apenas um espectro, mas toda uma intempérie incontrolável. Um vento invisível agita-se pelas praças e ruas, salta do Kasbah de Tunes para os arranha céus de Wall Street; as fábricas ocupadas da Argentina ressurgem em Atenas; as canções de 74 são cantadas em Madrid; no Cairo surgem colectivos inspirados nas tradições activistas dos anos 80 europeus. O «partido comunista» que atemorizava a Europa nos tempos do manifesto tornou-se difuso, descentralizado, imprevisível, veloz como um pássaro e ágil como um felino: a sua vanguarda salta rapidamente de quem interrompe Relvas no ISCTE para quem abre uma clínica auto-gestionada em Atenas, o seu comité central estende-se dos subúrbios do Cairo às banlieues de Paris.
O silêncio dos média sobre todos estes processos não nos deve preocupar, nem sequer as suas tentativas de criminalização encomendadas pelo estado. Porque o que está verdadeiramente a ser silenciado pelos média é o pânico e a cobardia do poder perante o chão que lhe foge debaixo dos pés. Porque a passividade ensaiada de Passos Coelho apenas esconde o medo de Relvas, porque todos vimos Vítor Gaspar a mover-se cercado por um batalhão de guarda-costas com o dobro do seu tamanho, porque se multiplicam os boatos sobre as casas clandestinas e planos de contingência ante a possibilidade de insurreição popular.
Que as figuras de proa do partido socialista sejam as únicas a censurar as interrupções aos ministros, mostra bem a amplitude da crise no sistema político: sabem perfeitamente que a contestação deixou de ser a um governo em particular para se estender a toda uma forma de organização e orquestração do poder. Porque na verdade os campos que esta crise opõe não são as diferentes expressões do poder que alternam na chefia do estado, mas um sistema podre e corrupto e um movimento que se tem vindo a constituir nas ruas. A «união das esquerdas» e a «sociedade civil» a que todos apelam tem vindo a ser construída quotidianamente em todas as manifestações e encontros dos últimos dois anos, num processo complexo e nem sempre fácil, em que as lutas começam a juntar aquilo que o capitalismo separou. Dos militantes de toda a vida aos putos com máscaras do Guy Fawkes, passando pelos estivadores, da avó sem medo ao feirante barulhento, passando pelos anarquistas de liceu há um partido invisível a pôr tudo e todos em causa.
E é por aí que o governo deve cair. Torna-se cada vez mais claro que a degradação do executivo de Passos Coelho irá rapidamente dar lugar a um pacto de regime que assegure os interesses que governam o país e a exploração de grande parte da população e que o único modo de o evitar é fazer com que estas ruas, estes movimentos e esta dimensão colectiva que partilhamos volte a afirmar-se enquanto verdadeiro poder constituinte. A solução para a crise nas nossas vidas deverá ser a mesma que para a crise no sistema político: somos nós que temos que tomar as nossas vidas, e qualquer solução que não passe por uma reformulação deste «nós» numa dimensão de poder colectivo será apenas uma dança das cadeiras da qual estamos à partida excluídos. Que se torne óbvio que são eles que têm medo. Que se deixe de pedir e se passe a tomar posse. Que desta vez se faça realmente algo de extraordinário e, finalmente, como dizia o El Pais na semana passada, «Que se joda la troika».
O silêncio dos média sobre todos estes processos não nos deve preocupar, nem sequer as suas tentativas de criminalização encomendadas pelo estado. Porque o que está verdadeiramente a ser silenciado pelos média é o pânico e a cobardia do poder perante o chão que lhe foge debaixo dos pés. Porque a passividade ensaiada de Passos Coelho apenas esconde o medo de Relvas, porque todos vimos Vítor Gaspar a mover-se cercado por um batalhão de guarda-costas com o dobro do seu tamanho, porque se multiplicam os boatos sobre as casas clandestinas e planos de contingência ante a possibilidade de insurreição popular.
Que as figuras de proa do partido socialista sejam as únicas a censurar as interrupções aos ministros, mostra bem a amplitude da crise no sistema político: sabem perfeitamente que a contestação deixou de ser a um governo em particular para se estender a toda uma forma de organização e orquestração do poder. Porque na verdade os campos que esta crise opõe não são as diferentes expressões do poder que alternam na chefia do estado, mas um sistema podre e corrupto e um movimento que se tem vindo a constituir nas ruas. A «união das esquerdas» e a «sociedade civil» a que todos apelam tem vindo a ser construída quotidianamente em todas as manifestações e encontros dos últimos dois anos, num processo complexo e nem sempre fácil, em que as lutas começam a juntar aquilo que o capitalismo separou. Dos militantes de toda a vida aos putos com máscaras do Guy Fawkes, passando pelos estivadores, da avó sem medo ao feirante barulhento, passando pelos anarquistas de liceu há um partido invisível a pôr tudo e todos em causa.
E é por aí que o governo deve cair. Torna-se cada vez mais claro que a degradação do executivo de Passos Coelho irá rapidamente dar lugar a um pacto de regime que assegure os interesses que governam o país e a exploração de grande parte da população e que o único modo de o evitar é fazer com que estas ruas, estes movimentos e esta dimensão colectiva que partilhamos volte a afirmar-se enquanto verdadeiro poder constituinte. A solução para a crise nas nossas vidas deverá ser a mesma que para a crise no sistema político: somos nós que temos que tomar as nossas vidas, e qualquer solução que não passe por uma reformulação deste «nós» numa dimensão de poder colectivo será apenas uma dança das cadeiras da qual estamos à partida excluídos. Que se torne óbvio que são eles que têm medo. Que se deixe de pedir e se passe a tomar posse. Que desta vez se faça realmente algo de extraordinário e, finalmente, como dizia o El Pais na semana passada, «Que se joda la troika».