sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Texto de Luís Varatojo

No dia 15 de Setembro de 2012 fui à manifestação. Já não ia a manifestações há muito tempo; sou músico e gosto muito do que faço, por isso passo a maior parte do tempo a pensar em música, não tenho disponibilidade nem vontade de me envolver em política, mas voto. Como eu, está a maior parte da população activa, que trabalha, produz riqueza, participa no desenvolvimento do país e espera que os governantes eleitos cumpram o que prometeram em eleições e governem para o bem de todos. É certo que, em quase 40 anos de democracia, nem tudo foi perfeito, mas para resolver essas imperfeições temos instituições como os tribunais, o Parlamento ou o Presidente da República que, até agora, têm funcionado com alguma eficiência. Sim, até agora. Porque desde que este governo tomou posse, parece que tudo está posto em causa, inclusive a liberdade conquistada em Abril de 74. São vários os casos de censura, repressão e abuso do poder. É interminável a lista de medidas que configuram um retrocesso de décadas nos mais elementares direitos dos cidadãos de um país desenvolvido. É alarmante a facilidade com que se transfere dinheiro do trabalho para os bancos através dos impostos. É inacreditável como um grupo de pessoas incompetentes e irresponsáveis destrói o país e como as instituições nada fazem ou nada podem fazer… Por isso, em 2012 não consegui concentrar-me exclusivamente no meu trabalho, na minha família e amigos e saí para a rua. Comigo saiu um milhão de portugueses, que trabalham como eu, que nunca viveram à conta do estado, nem acima das suas possibilidades. E resultou. O governo recuou porque sentiu o poder da quantidade. Mas estes governantes são daquela raça do «quero, posso e mando», ditadores agarrados ao poder, e o pequeno recuo serviu para preparar um assalto ainda maior. Desde aí e até agora, os pacotes de medidas sucederam-se e a situação agravou-se bastante: muito mais desempregados, economia em recessão, a dívida pública a crescer, salários e pensões cada vez menores, impostos cada vez maiores, repressão policial, controlo dos meios de comunicação, educação e saúde públicas em vias de extinção, cultura em degradação acelerada. Nunca vi nada assim. Em dois anos, Passos e o seu gang arrasaram uma boa parte do que demorou décadas a construir. Perante isto, ninguém pode ficar indiferente. Ninguém consegue produzir, trabalhar, criar riqueza, sabendo que todos os sacrifícios servem única e exclusivamente para alimentar bancos e credores. Perante isto, ninguém pode estar descansado, mais tarde ou mais cedo pode ter a polícia à perna porque disse, escreveu ou cantou o que não devia. Perante isto, ninguém pode estar optimista quanto ao futuro, sabendo que Portugal será um ermo, pelo menos nos próximos dez anos, e que qualquer actividade económica que não passe pelas mãos de grandes empresas estará destinada ao fracasso. Perante isto, ninguém pode ficar sentado no sofá de braços cruzados a assistir ao seu próprio enterro. Eu não fico, não consigo ficar. Não sei se dia 2 de Março vamos ser um milhão (em Setembro também não sabia), mas vou voltar à rua, porque, apesar de muito já ter sido destruído, ainda há muito para salvar e quero continuar a fazer música tranquilamente.